Rio Grande do Norte, domingo, 28 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 27 de abril de 2012

Webfolhetim – Johana (parte 4)

Johana vislumbra a Perfeição, a onisciência e onipresença. Imagine um ser humano com os poderes de Deus.

postado por Carta Potiguar

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Como visto antes em Johana:

Johana está à solta pelo Centro e cabe aos únicos sobreviventes tentar pará-la de seu massacre. Dra Gouveia e Dr. Ramos são os primeiros a encontrá-la, ao mesmo tempo em que caem na teia mental de Johana, ambos mortos. Um andar abaixo encontramos mais

Imagem: mermay19

dois integrantes do grupo…

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_ ouviu alguma coisa?_ perguntou Dra. Hayes, ao cruzar mais um corredor escuro.
_ Vocês americanos, sempre histéricos…_ retrucou Morita, ao lado, segurando uma lanterna.
_ Eu juro que ouvi.

Katharina Hayes, neuro-cirurgiã renomada e ganhadora do prêmio Nobel por suas importantes pesquisas na recuperação de pacientes com o mal de Alzheimer. Pat Morita, o analista de sistemas da equipe, projetou todo o equipamento eletrônico do Centro, inclusive o aparelho que permitia “ver” o mesmo que Johana via na mente de outrem. Os dois foram designados à tarefa de vasculhar o segundo andar do Centro em busca de Johana. Aparentemente a luz do prédio havia sido apagada há dez minutos, complicando ainda mais a procura da menina. Eles conversam.

_ Eu acho que deveríamos descer essas escadas e dar o fora daqui._ disse Dra Hayes.
_ Não. Não devemos. Johana está fora do casulo, Hayes. Lá, tínhamos o controle, mas aqui fora ela está susceptível ao poder, à corrupção. Johana vislumbra a Perfeição, a onisciência e onipresença. Imagine um ser humano com os poderes de Deus… Não. Definitivamente eu não acho que devemos.
_ Lá vem você e sua metafísica oriental… Ela é só uma menina, cara! Que que ela pode fazer? ahn… a gente já entrou nessa sala?
_ creio que não.
_ abra.

Pat pega na maçaneta. Devido ao silêncio, o rangido da porta parece assustador. Ele ilumina o lugar, mas, incrível, a luz não penetra na sala. Só havia o escuro mais negro que eles já presenciaram. O escuro que contém o nada, o escuro que contém o tudo. Um som. Não, uma cantoria. Uma voz de menina ecoa por entre o breu.

_ Cuidado com os sentidos, Hayes; Johana vem nos pegar.

Dra Hayes apenas arregala os olhos, sentindo seu ceticismo abalado. O som da cantoria aumenta, até que:

***
_ Olá!, _ Diz uma menina de cabelos loiros, capuz vermelho e portando uma cesta._vocês sabem onde fica a casa da vovó?

E fez-se a luz, como no ato da Criação. Os dois apenas olhavam, não acreditando nos próprios olhos; E surge um sol, um bosque e um arco-íris. E Chapeuzinho Vermelho.

_ Droga. O que diabo está havendo aqui, Morita?_ perguntou Hayes. Mas há algo ainda mais estranho naquilo tudo: Pat Morita sumiu. Hayes vira-se em busca do colega, e assim como uma náufraga aperta uma bóia salva-vidas, assim ela segura o sedativo que seria aplicado em Johana. Chapeuzinho Vermelho continua estática, sorrindo fixamente para ela, como se fosse de plástico.
_ Venha! Vamos! _ disse a menina ao sair trotando pelo bosque. Hayes, atordoada, apenas acompanha.

 

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Imagem: JUNTA MICUKO

O bosque parece ter saído de um conto de fadas. A perfeição da grama aparada, dos passarinhos voando e fazendo ninhos, o céu azul e um sol que está sempre se pondo. Hayes vê também um rio de águas cristalinas, peixinhos pulando e árvores frutíferas. “Maravilhoso”, ela pensa. A menina de capuz vermelho portando uma cesta a leva por um caminho de paisagens exuberantes. Elas sobem um monte e, ao chegar ao topo, Hayes se ajoelha e inicia um respirar ofegante, ao observar de longe aquela casa perto de um lago.

Pat Morita ainda não consegue compreender como sua colega sumiu assim que entraram naquela sala negra, há dez minutos. Ele, assim como os outros, sabe dos poderes de manipulação mental de Johana, e tenta não cair em suas artimanhas. O mundo mágico se fez diante dele, o mesmo bosque perfeito visto pela Dra Hayes, só que, neste caso, Dr Morita resolveu ignorar a Chapeuzinho Vermelho. _Você ainda está me seguindo?_ Disse Morita à loirinha de inabalável sorriso, que o seguiu por entre o bosque e em direção a um monte.

Hayes não consegue acreditar que está de volta à casa-da-lagoa. Tudo está lá: a grande varanda de mogno, rodeada por amplas janelas de vidro, a rede, até mesmo o som do “guardião dos ventos” tilintando era o mesmo. O som de quinze anos atrás. Chapeuzinho corre e some pela lagoa. Hayes, vagarosamente vai subindo as escadarias e passando a mão nas colunas de madeira, sentindo o cheiro de lago com madeira nova, como se quisesse provar definitivamente pelos sentidos que sim, é a casa do lago aonde ela passou os melhores momentos de sua vida, e o pior. Ela pede a Deus para que não seja exatamente esse momento.

Há três minutos Morita desceu um monte e se deparou com um lago: o lago Abashiri. Não é possível que ele estivesse naquele lugar. Mas não havia dúvidas: foi ali que tudo aconteceu. Será que dessa vez ele conseguiria? Tudo era tão perfeito…Ele parou. A menina continuava na sua sombra. Pat observou o lago, as pessoas; meninos e meninas tomando banho e se divertindo. Na época ele estava a trabalho pelo Centro e não pôde fazer nada, mas ao ver seu filho se afogando… Era como se lhe fosse possível a redenção de um eterno pesadelo. Morita esqueceu a razão, a lógica, tudo isso se perdeu ao ver seu filho soltando bolhas de ar, lutando pela vida. Morita correu como se tivesse oito pernas.

Hayes adentra a casa. Ela está trêmula. Seus passos vacilam. Ela tinha ido nadar e Josh ficara em casa com seus brinquedos. Ao voltar, tudo estava feito. Sons. Sons de gente estranha procurando coisas. “O desgraçado ainda está em casa”, ela pensa. O seu ódio mistura-se com a felicidade de poder mudar o passado.

Morita cai na água gelada sob os gritos aterrorizados dos amigos de Yuki, seu filho. Eles pedem socorro para que salvem o menino que se afoga.Yuki, já sem forças, afunda. Morita mergulha e o puxa pela mão: Está salvo. Ofegante, o leva pelos braços e adentra uma casa próxima. O menino continua desacordado. Pat, desesperado, tenta fazer respiração boca-a-boca.

John era o único filho de Katharina Hayes, que morreu ao tentar impedir que um ladrão roubasse a sua casa. Josh era uma criança espirituosa e cheia de vida, então, com a sua morte, o casamento de Hayes afundou e pouco tempo depois ela foi trabalhar no Centro. Ela não sabe mais em que acreditar, e sente que pode de alguma forma impedir que tudo aquilo aconteça de novo: Ela quer mudar o passado. Katharina Hayes abre a porta da cozinha e pula, desesperada, em cima de Chapeuzinho Vermelho, que estava sufocando seu filho Josh.

Morita está aos prantos, tentando ressuscitar seu único filho quando recebe um impacto tremendo em suas costas: era Chapeuzinho vermelho, tentando tirá-lo de cima do menino.

Hayes cai rolando com Chapeuzinho, que ao invés do eterno sorriso, exibe uma face lunática. Embaixo da menina, ela vê seu filho, roxo: morto. Está morto. Ela grita, se debate, espeta a seringa com sedativo no olho de seu algoz.

_ DEIXE-ME SALVAR MEU FILHO!!!_ Grita Pat Morita, ao cair rolando com Chapeuzinho Vermelho. Esta por sua vez, não sorri, está com a face da mais profunda ira, ele não entende, ele grita mais uma vez. Morita sente uma dor absurda no olho direito e, antes de dar o último suspiro, consegue torcer o pescoço de seu algoz.
***

No segundo andar do Centro Psiquiátrico Tomás de Aquino há duas pessoas que acabaram de se matar.

TERMINA EM 3 DIAS.

Carta Potiguar

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