Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 29 de abril de 2012

Johana – Final

postado por Carta Potiguar

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Como visto anteriormente em Johana:

Dra Heyes e o analista de sistemas Pat Morita encontram os momentos mais trágicos de seus passados, quando, cegos pela fé e pelos traumas, se aniquilam no primeiro andar do Centro. Seguimos agora para o desfecho desse desastre.

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_ Doze. Doze anos de pesquisa pra acabar desse jeito, como num filme do Shyamalan._ resmunga Jacob Robbins, irmão mais

Imagem: mermay19

novo de Mark. _Você faz idéia do dinheiro que eu investi aqui? Do tempo?
_ Que se dane isso tudo, Jacob._ retrucou Mark_ Veja essas pessoas mortas! Pessoas! Gente que trabalhou por nós, pelo sucesso desse projeto, pra que pudéssemos salvar vidas!_ O ar está fedendo, ambos sabem que algo acontece nesse exato momento. Estão cansados, com sono, sabem o que vai acontecer, sentem sua presença. Não há mais sinal pelo rádio, seus colegas, amigos, ele sabe, no fundo ele sabe que não conseguiriam. Ele sabe que nada há mais a ser feito e tenta não se desesperar. Jacob segura a gola da bata do irmão, com um olhar no mínimo, diferente:
_ “salvar vidas”? ora, seu hipócrita! A gente sempre esteve aqui pela grana, fama e muuuuuuulherezzzz. Uhhhhh…
_ Jake? Olha pra mim. É Johana. Ela está atrás de nós. Não deixe que ela lhe pegue, Jake.
_ ahn? Você não manda em mim, Mark. Não manda! Pensa que eu não vi?_ arregala os olhos_ Vi sim, é, vou contar pro papai, vou sim…guuu… vou…heheh…vou sim… você s es ta vamm uhhhhh…uhn?

Mark se desvencilha do irmão e joga-o no chão, olhando para os lados, numa reação instintiva diante do pavor ao ouvir o nome do pai:

_NÃOOOOOOOOOO!!! Você não viu na–não conte ao papai! NÃO!!

Mark espeta a seringa com sedativo no peito do irmão, ainda fora de si.

_ arf, arffff… Deus… Jake… Johana! FALE COMIGO!!

Com muito esforço Mark consegue acalmar-se. Ele olha em redor, à procura de algo que não está lá, apenas corpos e escuridão, com pequenos raios do sol que nasce passando pelas janelas. Um flash negro escurece de vez o ambiente. Volta. Johana o encara. Pavor. Flash negro.

***
O sol nasce. A escuridão se vai, revelando um bosque repleto de arbustos e árvores frutíferas, o mesmo cenário visto por Pat Morita e Dra Hayes. Mark, apático, observa os esquilos correndo pelos lados e uma borboleta pousa-lhe em sua mão. “onde é isso?”, ele pensa. Mark deixa o sedado irmão e levanta. Segue a trilha. Vê uma casa. Abre a porta. Ele vê pessoas em miniatura andando pelos lados e uma moça, bonita, varrendo o chão. Ele resolve entrar no jogo.

_ Branca… ahn… de neve… você viu uma menina loira de doze anos por aí?

Todos param para fitá-lo. E como se houvessem ensaiado previamente, balançam a cabeça. Mark apenas fecha a porta e sai. E anda mais um pouco. Para. Volta.

Ao abrir a porta novamente, ele vê um homem sentado atrás de um birô, datilografando. O homem de cabelos grisalhos e olhar de fúria para o que está fazendo, sua boca se abre cheia de dentes:

_ Mark, seu pequeno imbecil, eu já lhe falei que não quero que entre aqui quando eu estiver trabalhando!

Todas as vezes que Mark ouvia seu pai gritar assim, sentia um calafrio que subia pelas costas e chegava até a nuca, e dessa vez, ele sente isso de uma forma inacreditável.

_ mas pai, eu s-só tô procurando…
_ Venha aqui, rapazinho!

Mark, trêmulo, vai até o birô marrom de mogno que ficava no sótão da casa da fazenda, aonde seu pai ficava por horas, dias até, fazendo a contabilidade das empresas que o contratavam. O velho se levanta e mostra o indicador.

_ Você é um fracasso, Mark! Hã? Um erro! Um inútil! Não faz nada que preste! Deixe-me ver isso. _ e tira do bolso de Mark alguns papéis. _ Poesias? Hã? Coisa de viado! E a faculdade, hã? O que ganha um psicólogo? O que ganha? O negócio é trabalhar com dinheiro, seu idiota, grana! Veja! Veja! Quanto dinheiro eu faço com essas empresas, hã? Dinheiro é o que põe a comida e paga seu teatro… teatro? Coisa de bicha! Eu pago pro meu filho ser bicha! Hã? E a namorada? Hã? Não vai casar nunca? Bicha! Bicha!

Mark se agacha, a cabeça por entre as pernas.

_ Vai chorar agora? Eu ainda nem lhe bati! Hã?

Mark levanta. O velho continua balançando o indicador e gritando “hã? hã?”, então o menino Robbins pega a máquina de escrever. _você nunca… só queria… nunca…_ E gentilmente enfia máquina de escrever na cabeça do velho.

Dr Robbins, cadavérico, fecha a porta da casa da fazenda. Vomita. Junto com o som do trinco fechando, ele ouve uma voz calma, confortante, indiferente. Ela chama por Johana.

Mark segue a voz por um caminho que não tem fim, como alguém que segue a voz de um deus. Abre-se uma clareira. No centro, uma menina loira e de olhar apático olha para cima.

_ Johana! _ Mark grita.

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Imagem: h.koppdelaney

Johana estava a alguns metros de Mark. Aproxima-se.

“Johana…”
“Johana…”

A voz vinha de todos os lugares, e ainda assim, de perto. Johana olhava para cima, catatônica.

“… por que?”

Mark está ao seu lado. Observa: Ela veste a camisola azul-bebê, talvez a única roupa que usou a vida inteira. O médico olha para o alto, curioso em saber o que tanto Johana observava.

“por que…?”

_ Essa voz…_ Mark sussurra.

“por que…?”

O bosque se desfaz. Um quarto. Johana está deitada na cama que deitou por doze anos. Um homem, trajando branco, entra. Ele empurra um carrinho que traz o almoço. Johana o observa, mas sem mexer os olhos. O homem sorri. Olha para os lados; Não há vigilância hoje. Uma camisinha. O homem sorri. Ele baixa as calças. Johana sente tudo, porém não se mexe: está sedada.

As horas se passam. Os dias. Os anos. Uma menina solitária olha para a parede. Jacob Robbins nu. O tempo acelera e Mark percebe o passar do incontável tempo. Mark sente seus músculos atrofiando, o cérebro ficando débil pouco a pouco. A dor da carência. A falta do toque humano, da voz. Humana.

“Johana…”

A voz a chama. Seu coração dispara. É ele: O ser onipresente que irá salvá-la. E ela se apega a essa voz como um crédulo se apega ao seu deus. E ele É Deus. Mark, ao seu lado, chora a dor de outrem.

“por que…?”, sussurra a voz.

O médico penetra no universo de todas aquelas pessoas que foram ter com Johana; assassinos, estupradores, maníacos, sociopatas. Pessoas humanas, que ela tanto queria sentir o contato, Mark percebe que esses seres, essas aberrações sociais, seriam os representantes de toda uma raça.

O cenário muda. Os dois, ainda olhando para o alto, penetram um mundo de terror e caos, um futuro abominável de nanorobôs se multiplicando e explodindo pessoas. Mark sente o calor da fissão atômica e o frio das geleiras. E, finalmente, entende porque.

Voltam o bosque e as flores. Mark olha para Johana. Esta já o olhava nos olhos, algo inédito. Ficam em silêncio por um tempo que aquele universo não pode contar. Mark Robbins, psicólogo, sussurra.

_ sim…_

***

Amanhece. Policiais. Militares. Câmeras. O mundo ficou sabendo do genocídio ocorrido no Centro psiquiátrico Tomás de Aquino. O único integrante de todo aquele complexo que ainda se mexia era Jacob Robbins, que foi achado comendo as próprias fezes perto da enfermaria. Por motivos obscuros, não foram divulgados os dois sobreviventes achados em coma profundo no térreo.

Carta Potiguar

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One Response

  1. Wesley Pedroza disse:

    Quando leio a história de Johana me vem à mente um longa musicado por Pink Floyd! Queremos mais!

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