Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 25 de agosto de 2012

Pussy Riot: o juiz, o bispo, o czar e o silenciamento da crítica

postado por Carlos Freitas

Na semana que passou, assistimos a condenação judicial da banda punk russa Pussy Riot por prática de “vandalismo motivado por ódio religioso”. Em resposta a uma performance artística motivada politicamente, o Estado russo mobilizou seus diferentes aparelhos de repressão. A finalidade da violência estatal parecia clara: eliminar a crítica ao “príncipe”.

Mas em sua forma racional-legal, o Estado não pode simplesmente exercer a sua violência física sem critérios normativos mínimos de justificação. Ele precisa se apoiar no discurso, segundo o qual age em nome do interesse comum. Daí recorrer ao direito judiciário, a fim de encontrar o apoio institucional (e moral) necessário para praticar o terror.

Na Rússia, foi o que fez o governo Putin ao transferir para a justiça de seu país o julgamento e condenação dos membros da banda Pussy Riot. O crime não era contra o Estado ou contra o governo, mas contra a liberdade de culto religioso. Assim,  um ato político foi julgado como um ato de intolerância e desrespeito religioso.

Embora pareça um paradoxo perverso, temos aqui as novas bases do totalitarismo contemporâneo. Na versão atual do “Leviatã” disciplinado e domesticado, o exercício diário da violência contra qualquer forma de crítica política interna é administrado, levando-se em conta as largas margens de manobra oferecidas pelo sistema jurídico. Principalmente num país onde o corpo de especialistas do judiciário tende a ser corrompido e reflete de modo quase direto os interesses de poder do czar Putin.

Assim, atualizado em novas roupagens, o totalitarismo obscurantista russo exerce a repressão e tenta ornamenta-la com o falso entendimento de que agiu em conformidade com o principio de todo Estado de Direito. Une na mesma trincheira o aparelho de repressão estatal, o ordenamento legal e o fundamentalismo religioso do catolicismo ortodoxo no movimento de silenciamento da crítica estética realizada pelo Pussy Riot.

Seja como for, o mesmo Estado totalitário que se serve da lei pra praticar o terror e o aniquilamento da crítica encontra apoio, aqui no Brasil, numa parcela da esquerda que se excita libidinosamente com as intrigas entre o premiê russo e o governo de Washington. Envenenados pelo anti-americanismo, enxergam em Vladimir Putin, um exemplo de líder nacionalista que não aceita a condição de vassalagem imposta pelo nosso grande irmão do norte das Américas. A cegueira ideológica e o ódio acabam impendido de melhor avaliar o que se desenha na Rússia contemporânea.

Enganam-se todos aqueles identificados com ideais libertários ao acreditarem que Vladimir Putin representa a possibilidade real de retomada do poder “vermelho” no leste europeu. Putin é a reedição do “velho”, sem dúvida. Mas uma velha síntese entre o czarismo obscurantista pré-revolucionário e o totalitarismo contrarrevolucionário.

Entretanto, muito embora faça uso das mesmas técnicas racionais de destruição e barbárie dos “senhores fascistas” do passado, o novo líder carismático russo não é kafkiano, pois não prende sem “motivos”. Na cultura liberal, quando deseja assassinar a crítica, o novo czar recorre ao direito.

Carlos Freitas

Sociólogo e Professor Doutor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. Interesse por temas de Cultura Política e Sociedade. Contato profissional: calfreitas@hotmail.com

5 Responses

  1. Rick disse:

    O autor faz criticas a uma suposta esquerda que não tem nome. Concretamente, aponte e dê exemplos destas manifestações pró Putin, pois, pelo que nos consta, os maiores criticos de Putin são as esquerdas pelo mundo. Isto é uma crpitica verdadeira, ou ranço liberal?

  2. Ewerton Alípio disse:

    Pussy Riot não é uma banda de punk rock. Não é sequer uma banda, porquanto nunca gravou um CD e nunca fez um
    show num reles pardieiro. Além disso, essas vacas feministas não foram condenadas (vá lá, a pena infligida foi até desproporcional) pela sua visão política, a qual elas expressaram inúmeras vezes. Remeto, pois, o articulista e os leitores deste site a esta acurada análise: http://www.henrymakow.com/medi-whores-go-ape-over.html.
    Abraços!

    • Carlos Freitas disse:

      De fato, nobre Ewerton,

      Fiquei impressionado com a “acurada análise” do site disponibilizado por você. Uma aula de seriedade total, onde encontramos uma fauna de textos que vão desde teorias conspiratórias sobre “Iluminati”, “cultos satânicos” análises pseudopsicológicas sobre supostos programas de “engenharia social em massa” que pretendem transformar todo mundo em homossexual.
      Tive uma “ilumidiarréia mentali”

      • Ewerton Alípio disse:

        Carlão, não endosso necessariamente todo o conteúdo expresso no site que linkei. Aliás, só linkei um artigo cujo autor defende a tese de que a “banda” Pussy Riot (como se vê, muito bem articulada) é exclusivamente uma manobra de propaganda e de provocação. De teorias conspiratórias, ressalvo, também estou cheio, mas grassa, para além da luta pró-direitos civis, tanto na imprensa “nanica” quanto na grande (http://f5.folha.uol.com.br/humanos/1142037-mulheres-de-biquini-protestam-contra-concurso-miss-bumbum-em-salvador.shtml) aberta glamourização do estilo de vida homossexual. Por que a mídia não deu ressonância ao caso de um homem ligado ao movimento homossexual que, em Washington, abriu fogo, com uma pistola 9 mm, contra a entidade cristã Family Research Council? Por quê?

        • Carlos Freitas disse:

          Ewerton,
          Não conheço o caso ocorrido em Washington e mencionado por você. Mas mereceria o mesmo destaque na esfera pública. Se não houve, acredito, foi por receio de “esquentar” o clima entre fundamentalistas religiosos e o movimento gay nos EUA – sempre tenso, é importante ressaltar. Além disso, a questão mais importante sobre esses casos de violência não é simplesmente destacar jornalisticamente o acontecido, mas problematizar de modo reflexivo a respeito da dificuldade na construção de um consenso moral coletivo em torno do reconhecimento da alteridade e da diversidade. E como isso se traduz na violência e intolerância. Esse é ou deveria ser o papel CIVILIZATÓRIO da esfera pública: estimular o aprendizado reflexivo e moral coletivo.

          Sobre o Pussy Riot, no meu texto, destaco a motivação política e que é legítima. O problema é a reação policialesca do Estado, ou melhor, do governo Putin. Não é a primeira vez que o mesmo age dessa forma com qualquer tentativa de crítica a sua gestão. E sempre apelando ao discurso nacionalista dos “inimigos externos” que conspiram contra o país.

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