Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 28 de agosto de 2012

TSE libera os sujos e pede voto limpo

postado por Túlio Madson

Como já veiculado aqui na Carta Potiguar, o Tribunal Superior Eleitoral está promovendo uma campanha publicitária cujo slogan principal é: “Valorize seu voto. Vote pela sua cidade. Vote limpo”, eu, particularmente, ao contrário do texto veiculado, encaro que o conteúdo da campanha vai muito além de “defender a honestidade como projeto político”. Encaro sim, como sendo uma tentativa de conscientizar a população para a importância do voto consciente, da importância em conhecer de fato o candidato, de combater a ainda tão comum compra de votos.

“Votar sujo”, a meu ver, também se refere a quem vende, ou desperdiça o seu voto, pelos mais diferentes motivos: financeiros, familiares, religiosos, ou até mesmo para quem vota no candidato mais “engraçado” por simples preguiça ou desmotivação em analisar, pesquisar e ponderar as propostas e os projetos políticos, ou ainda, para quem usa o seu voto como se comprasse um produto: “vou votar em fulano, a musiquinha dele é a melhor, há várias banderinhas dele na rua, seu comercial de TV é bem feito”.

Então, nesse sentido, acho válida essa campanha, uma iniciativa louvável e necessária em uma sociedade totalmente despolitizada. Portanto, discordo que o tema central da campanha seja o de promover, nos eleitores, unicamente, o julgamento da honestidade ou não dos candidatos, mas, sim, promover uma cultura crítica e “consciente” no eleitorado. Ou seja, em poucas palavras, não seria uma campanha que defende o “vote nos honestos”, mas, sim, o “seja honesto com seu voto”.

É bem verdade que a motivação da campanha “Voto limpo” se remete necessariamente a lei da ficha limpa, não há problema algum nisso, uma vez que a ficha limpa, embora seja uma importante vitória da sociedade civil, fruto quase que exclusivamente da pressão popular, ainda é, pasmem, desconhecida do grande público, segundo pesquisas recentes. Além do fato dessa ser a primeira campanha eleitoral onde a dita lei está, de fato, em vigor, portanto, uma campanha de esclarecimento só vem a ajudar.

A lei da ficha da limpa claramente entende que a maioria dos brasileiros não possui informação suficiente para evitar que candidatos, que cometeram crimes de forma notória, vençam as eleições. Logo,  a lei precisa impedir a candidatura daqueles candidatos que julga inapropriado para um cargo público. A intenção aqui é dar um auxílio legal, através de uma triagem, para evitar que o eleitor desinformado eleja tais candidatos. E como remedia-se essa situação à longo prazo? Bingo! com informação, portanto, campanhas como essa devem ocorrer sim.

O que é risível nela é exatamente o fato dela estar sendo patrocinada e promovida pela própria justiça eleitoral, por quê? Ora, se é a própria justiça eleitoral, amparada na lei da ficha limpa, que deveria julgar os candidatos “ficha limpa” ou “ficha suja” e impugnar, ou não, o registro de suas respectivas candidaturas, como ela própria promove uma campanha para que não se vote em fichas sujas? O índice de candidatos com graves processos administrativos, ou mesmo criminais, que recorrem e ganham na justiça eleitoral o registro de suas candidaturas não é pequeno. Aqui mesmo em nossa cidade temos candidatos condenados na Operação Impacto que disputam na maior cara de pau a eleição, quando não colocam parentes como candidatos.

Essa sim seria, a meu ver, a maior contradição na dita campanha publicitária, não o seu conteúdo, mas quem a promove. Seria mais correto, e sincero, com o eleitor, que a justiça eleitoral imbuído do espírito cristão de mea culpa veiculasse a  seguinte campanha:

“Bem nós não barramos todos os corruptos e fichas sujas, sabe como é né caro eleitor? Tem toda aquela coisa do benefício da dúvida, presunção de inocência, recursos que se estendem ad infinitum, morosidade do processo e por ai vai. Se o legislativo não se move para melhorar o texto, então não há nada que possamos fazer, culpem vossos digníssimos legisladores, aqueles mesmos de quem vocês já não se lembra mais, eles que retiraram do texto a condenação em primeira instância. Então, diante desse quadro de impunidade, ou de falta de vontade, passamos a bola para você, caro eleitor, vai que é tua! Faça o favor de fazer nosso trabalho e não votar naqueles que deveríamos impedir de se candidatar, sejam aquilos que a própria lei diz que não são: informados. Confiamos na sua histórica capacidade de discernimento(?), grato, Justiça Eleitoral”.

Mesmo assim, ainda ficaria na dúvida se uma campanha nesse formato seria menos sarcástica do que a do comercial.

Túlio Madson

Colunista na Carta Potiguar desde 2011. Professor e doutorando em Ética e Filosofia Política pela mesma instituição. Péssimo em autodescrições. Email: tuliomadson@hotmail.com

5 Responses

  1. guto chico disse:

    Ótimo artigo! Quem conhece a realidade do bairro, sabe como funciona as trocas do voto, que há clientelismo, ora velado ora bem explícito. Como é uma relação, esta campanha tenta também inibir a bandidagem, como os apontados aqui:
    http://naovote.com.br/. Agora, quem sofre de “síndrome da perseguição do bandido político” e quer politizar a Justiça (para determinado interesse político-partidário) não vai gostar deste artigo.

    • Túlio Madson disse:

      Obrigado Guto, a compra de votos (seja por dinheiro ou favores) ainda é algo banal, infelizmente. De fato, há uma corrente da esquerda (seja ela motivada por interesses partidários ou não) que defende tanto uma politização do TSE, quanto uma certa banalização de crimes administrativos ou eleitorais, com o velho discurso de que “os fins justificam os meios”.

  2. Daniel Menezes disse:

    Tulio, não existe esquerda que defenda a secundarização dos crimes administrativos. Se existir, por favor, me mostre…
    E ninguém tá politizando o TSE. O que se fala é que há uma perspectiva moral e política por trás do “vote limpo”…Mas não é algo conspiratório. Tem a ver com uma perspectiva de classe empregada.
    É interessante como a venda de votos, nessa perspectiva, só tem a ver com pobre, com clientelismo, mas não com fornecedores do estado e com uma classe média, que costuma viver muito bem, extraindo o “que viver” da coisa pública.
    As pessoas não tem “preguiça” de votar no melhor, como você falou, fazendo referência direta aos “despolitizados”. Ora, isso é só um preconceito contra os “despolitizados”, “não escolarizados”. No final, só uma visão de uma pessoa portadora de diploma, que se enxerga como mais “reflexiva” e menos “alienada”.
    O voto em Tiririca é um voto “consciente”, no sentido de expressar um certo cansaço com a política. Não é um voto de preguiça, ou de bagunça. Ao invés de produzir análises condenatórias de outros comportamentos, melhor é tentar entender o sentido que move as pessoas e que está em disputa quando um agrupamento social tenta impor um tipo de moral para outro, ou mesmo para toda a sociedade.

    • Túlio Madson disse:

      Daniel, tenho conhecidos, que se dizem de esquerda, que por exemplo, acham aceitável que o PT tenha feito caixa dois na campanha que levou Lula ao governo, uma vez que esse pequeno ato ilícito contribuiu para que o partido assumisse o governo, e de fato, mudasse o país. Ou seja, os meios ilícitos empregados justificaram a finalidade que foi positiva.

      A compra de votos não tem relação com pobres, tem sim com a falta de informação, como acredito que deixei claro no texto.

      De fato, fui infeliz quando afirmei: “por simples preguiça ou desmotivação em analisar”, caberia tão somente: “desmotivação”.

      No mais, é evidente que há uma perspectiva moral na campanha, como há uma perspectiva moral também naqueles que, tendo um diploma, não passando dificuldades, não tendo um emprego insalubre, se vê como porta-voz de uma classe a qual não pertence (embora, as vezes, acredite pertencer). Tanto a campanha quanto esses “porta-vozes” comungam da mesma moral de que o povo é um rebanho e precisa de um pastor, seja esse pastor uma lei, uma ideologia, uma pessoa, ou um partido…

    • guto chico disse:

      Ah, tá bom, então, quer dizer que essas expressões (“projeto”, por exemplo) não são já uma tentativa de politizar a Justiça? De quem você mais ouve falar de “projeto”, que faz parte das palavrinhas mágicas de todo petista? Está claro que o Daniel anda meio atordoado, ora jogando a toalha, ora ressurgindo das cinzas, ele está nesse dilema entre o “limpo” e o “projeto”. A dicotomia é tão forte nas suas ideias, que ele chega a dizer para votar sujo, justamente porque o “limpo” é o contrário do “projeto”: “limpo” não é política, mas “projeto” é, então, o seu projeto é “votar sujo”, o contrário do “votar limpo” – não é engraçado o que o partidarismo cego faz com a pessoa? Votar limpo não é política, mas votar sujo é – vai entender uma cabeça dessa! Ora ele fala a partir do sujeito da ação que vota, ora do sujeito da ação que é votado, sempre para adequar a dita “ação” aos interesses que ele defende – interesses que têm a ver com um partido político. As suas ideias dão a entender que Lula e Maluf juntos fazem parte de uma “ética da responsabilidade” – seria a responsabilidade de não deixar a oposição ganhar, ora vejam. Há muitas outras responsabilidades na política, dependendo das relações culturais envolvidas. Vai dizer para um político alemão fazer “negócio político” com um procurado pela Interpol para ver o que é “ética da responsabilidade”. Clientelismo é relação assimétrica, vertical, baseada na desconfiança e no retorno imediato de um bem, meu caro, sendo o voto a dádiva em troca desse “favor”, a mesma que está no discurso quando o Daniel diz que a vantagem de votar na Dilma é que as bolsas são pagas em dia. Com isso, ele quer dizer que a sua relação não é com seus direitos e sim com a pessoa da Dilma, com o PT, com o “projeto de Brasil”, que por um acaso é do PT. Dilma faz um favor e em troca devemos votar nela. A única solução da esquerda brasileira hoje é matar (simbolicamente, é claro – entendido num sentido freudiano) o Pai – senão vai ser consumida pelas relações mais atrasadas que existem no Brasil, como está em curso hoje com o apoio de tipos como o Daniel.

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