Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 16 de maio de 2014

As perguntas que não são feitas nas pesquisas eleitorais

postado por Daniel Menezes
F593F34622B1219973A72DD8CE92220AC59A988EA6DFE4CD8B0867DF36326F0F

Wanderley Guilherme dos Santos – Cientista Político

O renomado cientista político, Wanderley Guilherme dos Santos, produz uma ácida crítica, dentre outros aspectos, a forma como cenários prescritivos são montados e sorrateiramente apresentados para os entrevistados por quem aplica pesquisas eleitorais.

Ao invés de perguntar ao cidadão, partindo da boa imaginação política sobre como ele irá se questionar quando estimulado pela eleição e munindo-o de informações objetivas, os institutos costumam contrabandear o efeito que gera aquilo que o sociólogo, Pierre Bourdieu, chamou de “imposição de problemática”.

É sempre bom pensar – ou ao menos tentar – a política, não pelos lugares comuns (morais e de classe) ao completo arrepio dos fatos e de fundamentos racionais, mas pelo que a ciência já tem de interessante sobre ela. É um bom começo.

Vale a pena conferir!

 

Da Carta Maior

Por Wanderley Guilherme dos Santos

Rompendo o tédio da rotina dos questionários elaborados pelos institutos de pesquisa, formulei seis perguntas cujos resultados me interessariam conhecer.

 

Pesquisas de opinião são orientadas, claro, e as eleitorais não constituem exceção. Se alguém deseja saber quem prefere maçã ou banana deve perguntar justamente isso, sem confundir o pesquisado com as opções de abacaxis e mangas. Muitas pesquisas eleitorais desorientam os entrevistados ao introduzir opções que nada mais são do que abacaxis e mangas, nomes de candidatos sabidamente estéreis no contexto eleitoral efetivo. Obtêm-se antes de tudo uma idéia da dispersão aleatória da preferência eleitoral, não as escolhas sólidas a aparecer com perguntas focadas no que está, de fato, em jogo.  Mas nada impede que se investigue se o freguês é mais afeito a frutas ácidas ou cremosas – um tanto mais geral e inespecífica do que a pergunta anterior.

Com maior ou menor generalidade o que importa é que há um mundo de interrogações adequadas ao conjunto das frutas, todas legítimas, respeitadas modestas regras de lógica. Simples, mas esquecido quando os institutos divulgam seus resultados, aceitos com sagrada intimidação. Na verdade, os mesmos tópicos das pesquisas podem ser investigados por inquéritos variados, nada havendo de interdito no terreno do mexerico.

Em pesquisas de opinião são fundamentais a representatividade da amostra dos pesquisados, a correção dos questionários e, concluindo, a leitura dos resultados. É intuitivo que em uma comunidade onde 99% são religiosos o inquérito não pode concentrar-se no 1% restante, exceto se o pesquisador estiver interessado justamente na opinião da extrema minoria de agnósticos que ali vivem. Isto respeitado, tudo bem quanto à representatividade dos números.

Mas a leitura dos resultados pode ser marota. Jogando uma moeda para o ar centenas de vezes, o número de experimentos em que ao cair a moeda mostrará a “cara” tende a ser o mesmo número de “coroas”. Ignorando quando e porque acontece uma ou outra coisa, deduz-se que a probabilidade de dar “cara” ou “coroa” é de 50%, ou seja, metade das vezes uma, metade, a outra. Em certos convescotes essa peculiaridade é chamada de “acaso”.

Mas essa é uma probabilidade diferente da que indica o futuro do clima, por exemplo. As chances de que chova nas próximas 48 horas não é derivada diretamente de uma série de 48 horas do passado, mas das condições em que milhares de 48 horas foram chuvosas: umidade do ar, regime de ventos, formação de nuvens, etc. explicam com relativo grau de precisão (a probabilidade) as variações climáticas. O que justifica o probabilismo é o conhecimento das particularidades associadas ao aparecimento do fenômeno “chuva”, não o mero fato de sua repetição.

Pois a probabilidade derivada de uma série de pesquisas eleitorais é análoga à do jogo “cara” ou “coroa”, não à dos prognósticos atmosféricos. De onde se segue serem um tanto marotas as previsões de resultados eleitorais apoiadas em séries históricas, por mais extensas que sejam. A diferença é ontológica: uma eleição não é um jogo de “cara” ou “coroa”. A seguir, uma crítica, digamos, construtiva.

Rompendo o tédio da rotina dos questionários elaborados pelos institutos de pesquisa, formulei seis perguntas cujos resultados me interessariam conhecer. Aí vão:

1 – o Sr(a) prefere:
a) continuar com a presidenta atual (Dilma Roussef)
b) voltar ao governo do PSDB (Aécio Neves)
c) indiferente

2 – o Sr(a) votaria em alguém que:
a) defende a manutenção do emprego de quem trabalha
b) promete medidas impopulares
c) indiferente

3) – o Sr(a) apóia o controle nacional do petróleo do pré-sal?
a) sim
b) não
c) indiferente

4) – A oposição atual representa seu ideal de governo?
a) sim
b) não
c) indiferente

5) Em relação à distribuição de renda o Sr.(a) é:
a) a favor
b) contra
c) indiferente

6) Os atrasos na conclusão de aeroportos e estádios demonstram que:
a) a iniciativa privada não é confiável
b) há sempre imprevistos em grandes obras
c) indiferente

Escolhi agregar todos os votos “não sei/prefiro não responder”, brancos e nulos em uma única opção porque estou interessado somente nas escolhas claras. E indiquei o nome de dois candidatos na pergunta 1 porque este é o desenho do questionário e, conforme o manual da boa pesquisa, o entrevistado deve estar de posse das informações relevantes para responder corretamente. Naturalmente, os entrevistados com preferência por outros nomes ou por nenhum estariam representados na resposta c.

O diabo é que ninguém acredita que os questionários dos institutos são apenas uma aproximação do que os eleitores perguntam a si mesmos, na hora do vamos ver. Por isso suas pesquisas ao final de uma corrida eleitoral se tornam mais diretas e econômicas, reduzindo o percentual de erro. Ainda assim, por vezes o palpite estatístico é desastrosamente equivocado. É quando o instituto, ao contrário de tentar replicar o que pensa o eleitor, busca fazer com que o eleitor pense como ele. Não dá certo.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

3 Responses

  1. vantie disse:

    Interessante: o artigo
    chama a atenção para o fato de que a crença na imparcialidade de pesquisas que
    fazem uso de métodos científicos é algo temerário, pois os interesses
    particulares dos pesquisadores “pesam” sobre o modo como estes
    conduzem seus estudos e, logo em seguida, o cientista articulista propõe um
    formato de instrumento de sondagem de comportamento eleitoral que, digamos
    (seguindo as suas próprias palavras) se vale da “marotice”, quando
    (para usar uma figura similar àquela por ele utilizada) ao se propor a
    investigar a preferência alimentar de, digamos, onívoros, apresenta apenas DUAS
    possibilidades de frutas (inclusive em uma ordem que não tem nada de
    “arbitrariedade desinteressada”, vide não seguir a ordem alfabética),
    deixando agregadas numa opção genérica marginal (a margem de baixo da lista) a
    possibilidade da preferência por, digamos, raízes diversas. Explico: nosso
    rigoroso cientista, ao agregar todos os votos brancos e nulos (e inclusive
    esquecer os “não votarei”) em uma única e genérica “opção
    C” (“indiferente”), promove, com seu modelo de questionário –
    mais uma vez, segundo seu próprio texto – uma ideia de “dispersão
    aleatória” do comportamento de EVASÃO ELEITORAL (ou seja, da DESCRENÇA COM
    RELAÇÃO AO INSTITUO DAS ELEIÇÕES DE REPRESENTANTES), como se este comportamento
    não pudesse ser motivado por “escolhas claras”. Já que se trata aqui
    de uma denúncia do fato de que os interesses particulares dos pesquisadores
    “pesam” sobre o modo como estes conduzem seus estudos, vale a pena
    lembrar a pergunta importante que o leitor precisa aprender a fazer quando se
    depara com qualquer pesquisa científica, partindo desta compreensão: “qual
    o grupo de interesses específico a que está(o) vinculado(s) o(s)
    pesquisador(es) autor(es) deste trabalho?” No caso deste artigo em pauta,
    a resposta a esta pergunta salta aos olhos logo na primeira questão proposta
    para o modelo de questionário apresentado pelo articulista, quando condiciona
    como primeira opção de resposta para o(s) entrevistado(s) – “opção a”
    – uma fruta cuja inicial nem sequer vem primeiro na ordem alfabética da salada
    que se apresenta para o(s) eleitore(s). Trata-se, portanto, de um artigo
    bastante instrutivo para entender o comportamento eleitoral… de Wanderley
    Guilherme dos Santos!

  2. Guest disse:

    Interessante: o
    artigo chama a atenção para o fato de que a crença na imparcialidade de
    pesquisas que fazem uso de métodos científicos é algo temerário, pois os
    interesses particulares dos pesquisadores “pesam” sobre o modo como
    estes conduzem seus estudos e, logo em seguida, o cientista articulista propõe
    um formato de instrumento de sondagem de comportamento eleitoral que, digamos
    (seguindo as suas próprias palavras), se vale da “marotice”, quando
    (para usar uma figura similar àquela por ele utilizada) ao se propor a
    investigar a preferência alimentar de, digamos, onívoros, apresenta apenas DUAS
    possibilidades de frutas (inclusive em uma ordem que não tem nada de
    “arbitrariedade desinteressada”, vide não seguir a ordem alfabética),
    deixando agregadas numa opção genérica marginal (a margem de baixo da lista) a
    possibilidade da preferência por, digamos, raízes diversas. Explico: nosso
    rigoroso cientista, ao agregar todos os votos brancos e nulos (e inclusive
    esquecer os “não votarei”) em uma única e genérica “opção
    C” (“indiferente”), promove, com seu modelo de questionário –
    mais uma vez, segundo seu próprio texto – uma ideia de “dispersão
    aleatória” do comportamento de EVASÃO ELEITORAL (ou seja, da DESCRENÇA COM
    RELAÇÃO AO INSTITUTO DAS ELEIÇÕES DE REPRESENTANTES), como se este
    comportamento não pudesse ser motivado por “escolhas claras”. Já que
    se trata aqui de uma denúncia do fato de que os interesses particulares dos
    pesquisadores “pesam” sobre o modo como estes conduzem seus estudos,
    vale a pena lembrar a pergunta importante que o leitor precisa aprender a fazer
    quando se depara com qualquer pesquisa científica, partindo desta compreensão:
    “qual o grupo de interesses específico a que está(o) vinculado(s) o(s)
    pesquisador(es) autor(es) deste trabalho?” No caso deste artigo em pauta,
    a resposta a esta pergunta salta aos olhos logo na primeira questão proposta
    para o modelo de questionário apresentado pelo articulista, quando condiciona
    como primeira opção de resposta para o(s) entrevistado(s) – “opção a”
    – uma fruta cuja inicial nem sequer vem primeiro na ordem alfabética da salada
    que se apresenta para o(s) eleitore(s). Trata-se, portanto, de um artigo
    bastante instrutivo para entender o comportamento eleitoral… de Wanderley
    Guilherme dos Santos!

  3. vantiê disse:

    Interessante: o
    artigo chama a atenção para o fato de que a crença na imparcialidade de
    pesquisas que fazem uso de métodos científicos é algo temerário, pois os
    interesses particulares dos pesquisadores “pesam” sobre o modo como
    estes conduzem seus estudos e, logo em seguida, o cientista articulista propõe
    um formato de instrumento de sondagem de comportamento eleitoral que, digamos
    (seguindo as suas próprias palavras), se vale da “marotice”, quando
    (para usar uma figura similar àquela por ele utilizada) ao se propor a
    investigar a preferência alimentar de, digamos, onívoros, apresenta apenas DUAS
    possibilidades de frutas (inclusive em uma ordem que não tem nada de
    “arbitrariedade desinteressada”, vide não seguir a ordem alfabética),
    deixando agregadas numa opção genérica marginal (a margem de baixo da lista) a
    possibilidade da preferência por, digamos, raízes diversas. Explico: nosso
    rigoroso cientista, ao agregar todos os votos brancos e nulos (e inclusive
    esquecer os “não votarei”) em uma única e genérica “opção
    C” (“indiferente”), promove, com seu modelo de questionário –
    mais uma vez, segundo seu próprio texto – uma ideia de “dispersão
    aleatória” do comportamento de EVASÃO ELEITORAL (ou seja, da DESCRENÇA COM
    RELAÇÃO AO INSTITUTO DAS ELEIÇÕES DE REPRESENTANTES), como se este
    comportamento não pudesse ser motivado por “escolhas claras”. Já que
    se trata aqui de uma denúncia do fato de que os interesses particulares dos
    pesquisadores “pesam” sobre o modo como estes conduzem seus estudos,
    vale a pena lembrar a pergunta importante que o leitor precisa aprender a fazer
    quando se depara com qualquer pesquisa científica, partindo desta compreensão:
    “qual o grupo de interesses específico a que está(o) vinculado(s) o(s)
    pesquisador(es) autor(es) deste trabalho?” No caso deste artigo em pauta,
    a resposta a esta pergunta salta aos olhos logo na primeira questão proposta
    para o modelo de questionário apresentado pelo articulista, quando condiciona
    como primeira opção de resposta para o(s) entrevistado(s) – “opção a”
    – uma fruta cuja inicial nem sequer vem primeiro na ordem alfabética da salada
    que se apresenta para o(s) eleitore(s). Trata-se, portanto, de um artigo
    bastante instrutivo para entender o comportamento eleitoral de… Wanderley
    Guilherme dos Santos!

Política

A entrevista de Ney Matogrosso e a crise da democracia representativa

Política

Santo Agostinho e a eleição presidencial de 2014