Rio Grande do Norte, domingo, 28 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de dezembro de 2010

Bandido bom é bandido morto?

postado por David Rêgo

Policiais bandidos pedem propinas. Juízes bandidos fraudam empréstimos. Políticos bandidos desviam dinheiro da merenda escolar. Pobres bandidos cometem assaltos. Afinal de contas, qual o conceito de criminalidade? O que é ser “um bandido”? O que faz um crime mais violento ou detestável que outro? A sociologia responderia que um crime é tanto mais detestável quanto mais agredir a consciência coletiva. Assim sendo, um estupro seria bem mais detestável que o roubo de uma jóia valiosa.

Um assalto gera grandes transtornos emocionais, porém, será que ele é realmente menos danoso à população do que o desvio de verbas públicas?

Lembro bem que faz algum tempo o “Lalau” desviou 170 milhões de reais. Desviar verbas públicas não seria tão monstruoso quanto um assalto à mão armada? Ou pior? Imaginemos um investimento de 170 milhões de reais na polícia. Quantas investigações seriam concluídas e quantos criminosos seriam presos com tão espetacular investimento? Seguindo esta linha de raciocínio,  qual a diferença entre um assalto à mão armada e desvio de impostos ou licitações ilegais? Nos dois casos existem muitos elementos em comum, mas nos apegaremos a apenas um aspecto para efeito de análise.

Além do fato de pessoas inocentes serem prejudicadas nos casos citados, o que existe em comum na ação de um assalto à mão armada e o desvio de impostos é a desonestidade. Porém, aquele que nasceu na família abastarda, por ter um capital cultural elevado, saberá como fraudar sistemas mais complexos que vigoram em dias como os nossos, pois estes estão “inseridos no sistema” e conhecem os trâmites burocráticos e os códigos necessários para “driblar” o modelo. Já os da “ralé”, estes por nunca terem sido incluídos devidamente no “modelo formal” da sociedade civilizada continuam a arrancar dinheiro de seus semelhantes tais como os bárbaros de outras eras: através da força bruta, da violência e pela imposição do medo. Não tenhamos dúvidas: o fazem por falta de escolha. Seria ingenuidade acreditar que um assaltante poderia fraudar uma licitação e não fez por pura birra, que preferiu sair com um revolver em mãos. Acredito que seria preferível fraudar uma licitação. Menor risco de morte, processo demora mais para ser julgado entre tantos outros deleites.

“Bandido bom é bandido morto”. É fácil compreender que trata-se de uma afirmação preconceituosa pois é unilateral, condena à morte apenas aqueles que praticam crimes e pertencem a uma classe social específica. Os crimes de outras classes sociais mesmo embora possam causar mais danos que um assalto  são vistos como “bobagens” ou meramente não dignos de notas. Não observamos pessoas desejando e gostando da morte de juízes bandidos.

O incentivo ao ódio aqui é puramente de classe. Leia-se melhor: pobre desonesto só presta morto. A desonestidade de outras classes sociais é tolerada. A desonestidade da ralé merece ser punida com a morte.

Será que os célebres jornalistas potiguares concordam mesmo com a afirmação “bandido bom é bandido morto”? Uma generalização do conceito seria possível? Aplicando a pena à juízes que são desonestos, aos policiais desonestos e aos empresários desonestos? Será que todos que cometem atos de bandidagem merecem ser mortos?

Os que fraudaram e desviaram comida da merenda escolar de crianças de colégios públicos são bandidos. Merecem também a morte? Realmente desejamos e festejaríamos a morte violenta destas pessoas?

Imaginemos uma cena quixotesca: Manchete nos jornais de todo o Brasil mostrando o roubo desmedido e sem propósito de magistrados e logo após isso jornalistas de influência do estado afirmam: olha só, um monte de juízes bandidos. Os direitos humanos que me desculpem mas bandido bom é bandido morto, mata aí essa cambada de juízes larápios (!). Uma cena realmente quixotesca. Nunca a observaríamos.

Definitivamente parabéns aos policiais que conseguiram “conter” uma ação agressiva. Mas isto não é motivo para festa. A quantidade de bandidos que existem apenas demonstra que a sociedade civil tem falhado e não adianta sair por aí fuzilando bandido, seja ele pobre ou rico. Para além disso, alguns jornalistas deveriam conhecer melhor a função dos direitos humanos. Na prática quem defende bandido é advogado. Os Direitos Humanos servem para garantir respeito à todos independente de cor, etnia, classe social ou sexo. Fica a dica..

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

2 Responses

  1. Alberto_k disse:

    Ninguém falou que bandido pobre bom é bandido morto, a frase é clara, bandido bom é bandido morto, dependendo da classe social, todos devem ser julgados e merecer a mesma pena, e sou ainda mais a favor, quando o bandido que morre é aquele que tem intenção de matar…e se ainda fosse fácil derrubar alguém com classe social alta que rouba e tira alimentação de crianças que dependem do mesmo para sobreviver e aprender seria melhor ainda, pois ta tirando o direito de uma criança seguir o lado bom longe da criminalidade.

  2. Patrícia Morais disse:

    Excelente texto, David.

    Infelizmente, poucos atentam para pensar o quanto é pernicioso defender que ”bandido bom é bandido morto”. Pensam que a honestidade deve prescindir a tudo e a todos e que o fato de não ter como sobreviver e menos ainda perspectiva, deve ser desconsiderado. Nessa perspectiva, uma das acepções sociológicas que o crime é tanto mais detestável quanto mais agredir a consciência coletiva acaba procedendo com muita frequência em detrimento de eventos como a corrupção de verbas públicas. Será que isso revela o nosso desapego pelo âmbito público (onde se inclui verbas e representantes políticos)?

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