Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 17 de abril de 2013

Os ataques de Boston e a lógica do eterno retorno do terror: zizekiações

postado por Thadeu Brandao
Do gedev.blogspot.com*
 
Não vim aqui analisar as consequências políticas ou sociais do terror. Já sabemos em demasia: levarão a mais policialização da sociedade americana, a mais medo do Outro e a mais intolerância. A reflexão que proponho aqui, dentro de minha série de “zizekiações” é pensar um pouco sobre a dinâmica do terror em relação aquilo que nós, ocidentais, chamamos de “humanos direitos”.
 
Quando se argumenta, por exemplo que o atendato de Boston foi uma tragédia, mas que não poderíamos nos solidarizar inteiramente com as vítimas, pois isso significaria apoiar também o “imperialismo americano”, já estaríamos, segundo Slavoj Zizek diante da grande catástrofe ética: 
 
“a única atitude aceitável é a solidariedade incondicional com todas as vítimas. A atitude ética correta é aqui substituída pela matemática moralizadora da culpa e do horror, que perde de vista um ponto importante: a morte terrível de todo indivíduo é absoluta e incomparável. (…) é preciso fazer ambas as afirmações, é preciso dizer que coisas muito mais horríveis acontecem diariamente em todo o mundo – mas é necessário fazê-lo sem se envolver na obscena matemática da culpa” (ZIZEK, 2003, p. 68-69).
 
Não há considerações fora deste padrão. Ou assumimos integralmente o valor da vida humana, de TODAS as vítimas, ou entramos no mesmo discurso que possibilitou Auschvitz. O Talmud Judaico nos lembra que “quem salva uma vida, salva toda a humanidade, assim como quem mata uma vida, mata a humanidade toda”. Eis o grande limiar ético a quem nos devemos reportar. Isso nos impede de pensar nos oprimidos que lutam contra a “Nova Roma” e seu sistema? Vejamos:
 
 
 
 
“Os excluídos são não apenas os terroristas, mas também os que se colocam na ponta receptora da ajuda humanitária (ruandeses, bósnios, afegãos…): o Homo sacer de hoje é o objeto privilegiado da biopolítica humanitária: o que é privado da humanidade completa por seu sustentado com desprezo. Devemos assim reconhecer o paradoxo de serem os campos de concentração e os de refugiados que recebem ajuda humanitária as duas faces, ‘humana’ e ‘desumana’, da mesma matriz formal sociológica. (…) a população é reduzida a objeto da biopolítica. Portanto, não basta enumerar os exemplos atuais do Homo sacer: os sans papiers na França, os habitantes das favelas no Brasil e a população dos guetos afro-americanos nos EUA, etc. É absolutamente crítico contemplar essa lista com o lado humanitário: talvez os que são vistos como recipientes da ajuda humanitária sejam as figuras modernas do Homo sacer” (ZIZEK, 2003, p. 111-112).
 
Mesmo os pontos de defesa dos direitos humanos, da democracia, do domínio do Estado de direito e de outros tópicos, terminam se reduzindo a uma “máscara” para os esses mecanismos disciplinadores do “biopoder”, cuja expressão última é, segundo Zizek, “o campo de concentração do século XX”. O que temos a escolher: o mundo administrado adorniano ou a perspectiva utópica habermasiana de emancipação pelo discurso? Difícil, não?
 
Afinal, onde escapamos desse “biopoder foucaultiano” que abarca até mesmo os assistidos do sistema? Os “Bolsa-Família” tupiniquins ou os assistidos pelo demolido welfare-state europeu? O “Homo sacer” zizekiano é a sagrada invocação da sacralidade da vida pelo Ocidente, mas com o viés do controle.  Neste ínterim, os conflitos contra a Nova Roma se apresentam em novos patamares, aproximando-se, talvez, das velhas táticas de terror imemoriais. Recordo-me dos sicários judeus que atuavam nas festas religiosas da Jerusalém do século I. Ou do IRA irlandês, inaugurador das táticas modernas de terror contra civis, que assustou até o velho revolucionário Fredrich Engels. Para Zizek,
 
 
 
 
“(…) já não temos guerras no sentido antigo de um conflito regulado entre Estados soberanos em que se aplicam certas regras (tratamento dos prisioneiros, proibição de certas armas, etc.). O que sobra são dois tipos de conflito: ou as lutas entre grupos de Homo sacer – ‘conflitos étnico-religiosos’ que violam as regras dos direitos humanos universais não são considerados guerras propriamente ditas e exigem a presença da intervenção ‘pacifista humanitária’ das potências ocidentais – ou ataques diretos contra os EUA ou outro representante da nova ordem global, e nesse caso, mais uma vez, não existe uma guerra propriamente dita, apenas ‘combatentes ilegais’ que criminosamente resistem às forças da ordem universal” (p. 113).
 
Sem definição e fronteira possível, a nova guerra atinge a ansiedade brutal do homem contemporâneo: eis todo um habitus sendo construído a partir do “princípio da incerteza” (fazendo um paralelo apenas). A ansiedade moderna e suas inquietações tornam-se, também, pano de fundo para o terror moderno, do qual, até mesmo nós da periferia, não escapamos. Mais do que isso, uma vida de consumo onde o mundo se divide cada vez mais entre quem consome e quem sub-consome (pois todos consomem algo), entre quem tem emprego e quem apenas “trabalha” (sem renda ou com quase nenhuma), entre quem tem acesso à direitos e quem mendiga ajuda “assistencial”, pairamos sobre a prisão hodierna de um mundo administrado. O terror, é uma face brutal desse mundo, mais do que sua consequência.
 
 
 
Citações:
 
 
 
ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de Setembro e datas relacionadas.. Tradução de Paulo Cezar Castanehira. São Paulo: Boitempo, 2003.

Thadeu Brandao

Sociólogo, Professor de Sociologia da UFERSA.

One Response

  1. A CIA,o FBI a SWAT e o diaba a quatro ainda não sabe se foi fogo amigo ou agentes do mal.Se for terrorismo externo é o preço que se paga por ser um país imperialista.Afinal os EUA só chegou onde chegou a custo da exploração alheia a começar pela destruição dos indios americanos e a fomentar guerras com o México para depois lhe tomar seus territorios rico em petroleo o resto todo mundo já sabe.Só com a ética puritana de valorização do trabalho não chegariam onde chegaram.

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